Exma. Sra Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras e
demais
componentes da mesa,
Autoridades presentes,
Senhoras, Senhores,
Confreiras e confrades,
É com imenso prazer que recebemos vocês
para esta comemoração do sexagésimo nono aniversário da nossa menina. Menina,
sim, porque por aí a fora sabemos de várias Academias centenárias. Mas a gente
chega lá. Não será apenas uma festa de aniversário. À importância da data
cresce de significado porque teremos também a apresentação da Diretoria eleita
para o biênio 2018/2020 e a concessão da medalha Cora Coralina, insígnia
conferida àqueles que tenham contribuído para o
desenvolvimento cultural capixaba.
Nossa Academia, por ser uma Academia
Feminina, ainda desperta curiosidade. “Por que?” Nossa história já é
bem conhecida, mas não custa contá-la mais uma vez. Estamos aqui por conta de
um sonho e muito da ousadia de uma capixaba, Judith Leão Castelo.
Judith nasceu na Serra, concluiu o
curso de magistério tornando-se professora de sucesso. Preocupada com a
Educação, sempre escrevia muitos artigos publicados pela imprensa local. Um dia
resolveu entrar na política e foi a primeira mulher capixaba a ser eleita para
um cargo público, como deputada estadual. Um despautério nos anos quarenta...
Cumpriu quatro legislaturas sucessivas. Porém, quando se candidatou a uma
cadeira na Academia de Letras, não foi aceita. Simplesmente porque, na época,
as Academias ainda eram exclusivamente masculinas. Ah, é assim?!! Pois teremos
uma Academia Feminina. E aqui estamos nós.
Mas também já ouvi a observação: “Agora
que as mulheres já podem entrar, porque vocês não juntaram as duas
associações?” Vemos então que ainda não somos levadas a sério. Nosso
trabalho intelectual parece coisa menor; se juntássemos os dois grupos,
“formaríamos um grupo mais forte, com maior visibilidade, talvez.” O
interessante é que quem me fez esta observação, quase imediatamente percebeu
seu real sentido. E logo corrigiu a fala, dando-me os parabéns pela nossa
determinação, persistência e segurança na defesa de nossos ideais.
Meu interlocutor
insiste: “Mas o que é que vocês fazem numa Academia de Letras além
de tomar chá com rosquinhas?”
Em primeiro lugar rosquinhas não
são, propriamente, uma tradição nossa. Na realidade as academias, enquanto
centros de estudo, surgiram com os gregos. Sócrates reunia-se na entrada de um
ginásio e ali debatia questões filosóficas como o bem, a virtude, ou a origem
do conhecimento. Eram grupos masculinos, porque mulheres não frequentavam os
ginásios. Como não estava ligado aos deuses, Sócrates foi acusado de heresia e
condenado à morte. Platão, seu discípulo, para não ter a mesma sorte do mestre,
sabiamente, fazia suas reuniões nos jardins de Academus, antigo
herói grego. No local, em meio às oliveiras sagradas, havia um templo dedicado
à Atena estando todos, portanto, ao abrigo e sob a proteção dos deuses. Daí a palavra
Academia para designar grupos de estudo, de debates, de pesquisa, de Ciências,
de Letras ou Artes, dos quais mulheres nunca participavam; além de outros
preconceitos, acreditava-se que mulheres não tinham capacidade de
pensar.
Lá pelo séc. XVII quando o
espírito científico começou sua escalada, os avanços eram extremamente lentos;
os interessados em debater a Ciência, as Letras ou as Artes não
tinham como saber se havia outras pessoas pesquisando na mesma área ou em áreas
relacionadas, e antes que soubessem, muito tempo já havia se passado, muita
informação já havia sido perdida. A organização em sociedades científicas ou
academias de ciência deu impulso à pesquisa, facilitou
as descobertas levou às invenções.
Esse interesse pela Ciência acabou
impregnando a literatura, levando para a poesia e a prosa preocupações típicas
do cientista, o rigor, a busca da ordem, da precisão, da clareza, da correção
na linguagem. A Sociedade Real de Londres, respeitável senhora nos
seus quatrocentos ano exigia de seus membros ”modo de falar estrito, simples e
natural, (... ) emprestando a todas as matérias a mesma clareza da Matemática”.
Tal cuidado com a precisão e correção da linguagem permanece, ainda
hoje, como um dos requisitos das Academias em geral. Assim, o exame
do currículo de qualquer aspirante a imortal utiliza
esse crivo.
Por que estou me reportando às origens?
Principalmente, para mostrar que a atividade intelectual, durante muitos e
muitos e muitos anos, foi uma atividade exclusivamente masculina.
Até Jesus, coitado, foi acusado de desobediência grave pelos sacerdotes do
Templo, porque aceitou que mulheres fizessem parte de seu grupo.
Aqui no Brasil, quando os índios
manifestaram o desejo de que suas mulheres frequentassem a escola, o
Padre Nóbrega pediu permissão à Corte causando grande rebuliço e escândalo dada
a “petulância das bugras”. Até há pouco, nos tempos do Império, era
proibido às escolas matricular mulheres e escravos. Fundar uma Academia
Feminina, em 1949, não deixa de ser um acontecimento. Na sua
época, foi. Fazer literatura é um exercício de sensibilidade.
Cada um de nós carrega consigo um mundo de experiências, suas conquistas,
alegrias e dores, passado e presente, um olhar pessoal sobre a vida, acervo
precioso a ser compartilhado. Mas também fazemos Ciência. Temos historiadoras,
ambientalistas e artistas. Além do chá, que não é com rosquinhas, reunimos ideias
e ideais, escrevemos, discutimos, publicamos; realizamos oficinas, recebemos
palestrantes; temos muito trabalho administrativo, registrando e documentando
nossas atividades. Não renunciamos aos nossos sonhos; seguimos repartindo
sentimentos, conhecimento e emoções. Até nos atrevemos a outras incursões, como
a Feira Literária que já está indo para a uma nova edição. Só não conseguimos
ainda ter uma sede.
Continuamos na estrada, com muita
determinação e entusiasmo. Estejam conosco; sejam bem vindos. Vamos
comemorar.
Vitória, 30 de agosto de 2018
Ailse Therezinha Cypreste
Romanelli
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