segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Saudação aos convidados da Cerimônia de 69 anos da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras por Ailse Therezinha Cypreste Romanelli



Exma. Sra Presidente da Academia Feminina Espírito-santense de Letras e demais 
componentes da mesa,
Autoridades presentes,
Senhoras,  Senhores,
Confreiras  e confrades,

É com imenso prazer que recebemos vocês para esta comemoração do sexagésimo nono aniversário da nossa menina. Menina, sim, porque por aí a fora sabemos de várias Academias centenárias. Mas a gente chega lá. Não será apenas uma festa de aniversário. À importância da data cresce de significado porque teremos também a apresentação da Diretoria eleita para o biênio 2018/2020 e a concessão da medalha Cora Coralina, insígnia conferida  àqueles que tenham  contribuído para o desenvolvimento cultural capixaba.
Nossa Academia, por ser uma Academia Feminina, ainda desperta curiosidade. “Por que?”  Nossa história já é bem conhecida, mas não custa contá-la mais uma vez. Estamos aqui por conta de um sonho e muito da  ousadia de uma capixaba, Judith Leão Castelo.
Judith nasceu na Serra, concluiu o curso de magistério tornando-se professora de sucesso. Preocupada com a Educação, sempre escrevia muitos artigos publicados pela imprensa local. Um dia resolveu entrar na política e foi a primeira mulher capixaba a ser eleita para um cargo público, como deputada estadual. Um despautério nos anos quarenta... Cumpriu quatro legislaturas sucessivas. Porém, quando se candidatou a uma cadeira na Academia de Letras, não foi aceita. Simplesmente porque, na época, as Academias ainda eram exclusivamente masculinas. Ah, é assim?!! Pois teremos uma Academia Feminina. E aqui estamos nós.
Mas também já ouvi a observação: “Agora que as mulheres já podem entrar, porque vocês não juntaram as duas associações?”  Vemos então que ainda não somos levadas a sério. Nosso trabalho intelectual parece coisa menor; se juntássemos os dois grupos, “formaríamos um grupo mais forte, com maior visibilidade, talvez.” O interessante é que quem me fez esta observação, quase imediatamente percebeu seu real sentido. E logo corrigiu a fala, dando-me os parabéns pela nossa determinação, persistência e segurança na defesa de nossos ideais. 
Meu interlocutor insiste:  “Mas o que é que vocês fazem numa Academia de Letras além de tomar chá com rosquinhas?”
 Em primeiro lugar rosquinhas não são, propriamente, uma tradição nossa. Na realidade as academias, enquanto centros de estudo, surgiram com os gregos. Sócrates reunia-se na entrada de um ginásio e ali debatia questões filosóficas como o bem, a virtude, ou a origem do conhecimento. Eram grupos masculinos, porque mulheres não frequentavam os ginásios. Como não estava ligado aos deuses, Sócrates foi acusado de heresia e condenado à morte. Platão, seu discípulo, para não ter a mesma sorte do mestre, sabiamente, fazia suas reuniões nos jardins de Academus, antigo herói grego. No local, em meio às oliveiras sagradas, havia um templo dedicado à Atena estando todos, portanto, ao abrigo e sob a proteção dos deuses. Daí a palavra Academia para designar grupos de estudo, de debates, de pesquisa, de Ciências, de Letras ou Artes, dos quais mulheres nunca participavam; além de outros preconceitos, acreditava-se  que mulheres não tinham capacidade de pensar.
 Lá pelo séc. XVII quando o espírito científico começou sua escalada, os avanços eram extremamente lentos; os interessados em debater a Ciência, as Letras ou as Artes  não tinham como saber se havia outras pessoas pesquisando na mesma área ou em áreas relacionadas, e antes que soubessem, muito tempo já havia se passado, muita informação já havia sido perdida. A organização em sociedades científicas ou academias de ciência deu impulso à pesquisa, facilitou as  descobertas levou às invenções.  
Esse interesse pela Ciência acabou impregnando a literatura, levando para a poesia e a prosa  preocupações  típicas do cientista, o rigor, a busca da ordem, da precisão, da clareza, da correção na linguagem. A Sociedade Real de Londres, respeitável senhora  nos seus quatrocentos ano exigia de seus membros ”modo de falar estrito, simples e natural, (... ) emprestando a todas as matérias a mesma clareza da Matemática”. Tal cuidado com a precisão e correção da linguagem  permanece, ainda hoje,  como um dos requisitos das Academias em geral. Assim, o exame do currículo de qualquer  aspirante a  imortal  utiliza esse crivo.
Por que estou me reportando às origens? Principalmente, para mostrar que a atividade intelectual, durante muitos e muitos  e muitos anos, foi uma atividade exclusivamente masculina. Até Jesus, coitado, foi acusado de desobediência grave pelos sacerdotes do Templo, porque aceitou que mulheres fizessem parte de seu grupo.
 Aqui no Brasil, quando os índios manifestaram o desejo de que suas mulheres frequentassem a escola, o Padre Nóbrega pediu permissão à Corte causando grande rebuliço e escândalo dada a “petulância das bugras”. Até há pouco, nos tempos do Império, era proibido às escolas matricular mulheres e escravos. Fundar uma Academia Feminina, em 1949, não deixa de ser um acontecimento. Na sua época,  foi. Fazer literatura é um exercício de sensibilidade. Cada um de nós carrega consigo um mundo de experiências, suas conquistas, alegrias e dores, passado e presente, um olhar pessoal sobre a vida, acervo precioso a ser compartilhado. Mas também fazemos Ciência. Temos historiadoras, ambientalistas e artistas. Além do chá, que não é com rosquinhas, reunimos ideias e ideais, escrevemos, discutimos, publicamos; realizamos oficinas, recebemos palestrantes; temos muito trabalho administrativo, registrando e documentando nossas atividades. Não renunciamos aos nossos sonhos; seguimos repartindo sentimentos, conhecimento e emoções. Até nos atrevemos a outras incursões, como a Feira Literária que já está indo para a uma nova edição. Só não conseguimos ainda ter uma sede.  

Continuamos na estrada, com muita determinação e entusiasmo. Estejam conosco; sejam bem vindos. Vamos comemorar.      

Vitória, 30 de agosto de 2018
Ailse Therezinha Cypreste Romanelli 



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